Artigo
A espera de um final esperado
por Graziela Merlina*
Termino a minha segunda leitura do ano. Um livro de contos. Há tempos não me dedico a esse tipo de leitura, e tive o impulso de me reencontrar com esse prazer. Por que chamo de prazer? Porque contos são narrativas curtas, lineares com apenas um conflito. O que me faz rapidamente imaginar, sonhar, idealizar e ao mesmo tempo, me deparar com o enigmático. Há um mistério, um não óbvio que me faz querer ir depressa ao final. Uma tensão crescente, a sensação de que um segredo será revelado, uma nova ordem será estabelecida.
E assim foi a minha leitura de “Intérprete de Males” de Jhumpa Lahiri, vencedora do Prêmio Pulitzer 2000. Todos os contos relatam vivências entre culturas distintas; um vai e volta entre o espaço de estar e o espaço de querer estar; um trânsito entre o ocidente e o oriente.
Sem dúvida, um grande aprendizado sobre HUMANIDADES, POLARIDADES, MULTICULTURAS, ANCESTRALIDADE.
Mas, o que mais me surpreendeu, foi o que pude aprender sobre mim mesma. Nenhum dos contos teve o final que imaginei. Pra ser sincera, não chegaram nem perto. O desejo de emendar a leitura de um conto no outro não vinha somente do prazer da leitura, mas vinha também da minha necessidade de acertar o próximo final.
Lá estava eu vivendo a leitura de um livro como se eu estivesse em um vídeo game. Como se eu precisasse passar de fase. E isso significava fazer a aposta certa. Posso dizer que tive um encontro com a sombra. Minha sombra.
Encontrei algo em mim que é ao mesmo tempo “romântico” ou “sonhador” que almejava por finais felizes; misturado com um eu “arrogante” e “competitivo” que queria mostrar ser capaz de desvendar o enigmático de cada conto.
Jhumpa Lahiri (a autora) nasceu em 1967, é cidadã americana, nascida em Londres de família de origem indiana. Cresceu e se formou nos EUA e atualmente vive na Itália com seu marido jornalista e dois filhos.
Com uma experiência de vida tão diversa da minha já seria por si só um convite ao enigmático. Até porque ela fez de sua história, o cenário de cada conto sobre indianos que moram nos EUA, americanos filhos de indianos, e americanos que convivem com indianos. Onde movimento e espera coexistem.
E por algum motivo, o enigmático da obra se voltou pra mim mesma, quando tornei mais importante a minha capacidade de imaginar o final certo. Assim, não consegui fugir de alguns questionamentos:
“Qual a minha real capacidade de entrar na história do outro?”
“O que deixo de viver no presente a espera de um final esperado?”
“Há um vício por desafios? Substituo o prazer do momento presente por um bom desafio, uma missão, um objetivo?”
“Será que a brincadeira de tentar descobrir o final do conto é uma fuga para não entrar em contato com as emoções que os contos podem gerar em mim mesma?”
Todos esses questionamentos me fazem olhar para mim, me observar e acessar muitas vezes o que é desconhecido em mim. E foi assim que o livro me fez entender que o autoconhecimento está em todos os lugares e formas. E que a leitura pode ser sim um meio poderoso de se conhecer mais e melhor. Há os que gostam de estudar, jogar, praticar esportes, natureza, cozinhar, meditar... Há os que gostam de ler. E é assim mesmo que você pode se descobrir – fazendo o que gosta.
Não posso encerrar sem dizer que todos os finais foram intrigantes. E quando não se espera o final esperado, cada final pode ser um começo. E cada final foi pra mim o começo de uma nova história que criei na minha própria mente, transformando cada personagem e seu conflito em um parente, amigo ou conhecido, transformando os contos em narrativas do cotidiano. Pode dar um bom livro... Se eu mesma permitir...
*Graziela Merlina - Idealizadora na @casamerlina / Conselheira no @capitalismoconscientebrasil / Fundadora da @ApoenaRH