Artigo

Organizações e seu papel social de cura

por Graziela Merlina*

Na Conferência do Capitalismo Consciente 2017 na Filadélfia, Raj Sisodia(*) subiu ao palco e anunciou o livro que estava escrevendo – Organizações que curam.

Meus olhos encheram de lágrimas naquele momento. Será que estou mesmo ouvindo isso? O movimento usará o espaço de consciência que tem buscado para falar da responsabilidade das organizações em exercer seu papel social de cura?

E ele ainda acrescentou: “Se você não escolhe conscientemente ser parte da cura, você será parte da dor”.

Uau! Era isso mesmo. A coragem de dizer que não há meio termo nessa escolha. Ou se está atuando para a cura ou para a degeneração.

Uma mistura de sentimentos me tomou naquele momento: alegria por falarmos sobre isso abertamente, medo de como esse tema chegará no Brasil, euforia em querer fazer acontecer e insegurança se eu mesma estava sendo praticante disso.

Estamos em 2020. O livro foi publicado em 2019 nos EUA. Mal sabíamos que tantas doenças viriam à tona desde então. Inclusive uma pandemia.

Uma grande constatação permeou minhas experiências desde então: não há cura que não exija olhar para as dores, para aquilo que não está bom, para o sofrimento meu e do outro e tomar consciência de qual a minha parte de contribuição nessa dor. Ou seja, se há um papel de cura social, ele se inicia no individuo, no autoconhecimento, em assumir ser curador antes que qualquer outro sistema o obrigue desse papel.

Nosso potencial humano precisa de ambiente saudável para ser liberado. E não é em um ambiente de repressão às emoções, de culpas e vergonhas, e sem cuidado que isso acontece.

Raj Sisodia nos provoca a refletir: quanta abundância de amor está guardada sem se revelar porque simplesmente não se permite amar?

É justo sermos causadores de um ambiente com escassez de amor? Quantas outras formas de escassez estamos gerando porque trancamos nossas riquezas?

Se somos seres sociais capazes de influenciar, por que não influenciar a queda das máscaras que escondem a dor? Por que não influenciar para assumirmos a humanidade que há em cada um de nós?

Ouvi do meu pai recentemente, com seus 78 anos. “Todo dinheiro que já perdi no meu negócio durante essa pandemia já é maior do que tudo que deixei de fazer para aproveitar a vida em nome da obrigação e o dever sempre em primeiro lugar. Deixei muitas vezes de sair, passear e agora perco tudo desse jeito.”

E eu me peguei refletindo: a qual abundância ele renunciou? Qual o tamanho da culpa e da vergonha que nos levam a escolher obrigação e cautela ao invés de amor e bem-estar? Que emoções foram reprimidas? A renúncia foi só dele ou de todos ao seu redor?

A pandemia que veio para “jogar na cara” algumas verdades do mundo e nos fazer olhar para o estado de sobrevivência no qual muitos ainda vivem. E qual a cura que eu, você, as organizações podemos exercer para tirar a sociedade desse estado de sobrevivência. O que está ao seu alcance? O que te faz não desistir?

Entendo mais do que antes, a escolha do subtítulo do livro: Despertando a Consciência dos Negócios para ajudar a Salvar o Mundo.

Se os detentores de capital e recursos não despertarem para serem agentes desse papel de cura, corremos o risco de mais uma vez contornarmos problemas ao invés de resolve-los. É chegado o momento de sermos humildes, realistas, dar valor ao bem-estar e ter muita empatia por todo o ecossistema.

É assim que se comportam as lideranças das organizações que curam.

(*) Cofundador do movimento global Capitalismo Consciente. Sisodia é professor emérito da Babson College. Autor de diversos livros sobre o tema.

*Graziela Merlina - Conselheira Capitalismo Consciente Brasil | Idealizadora do HUB Consultores Conscientes @CasaMerlina | Fundadora da ApoenaRH | Game Designer | Palestrante