Artigo

Ser cuidado pelo que morreu ou cuidar do que está vivo?

por Graziela Merlina*

Estudando um material sobre o Sagrado Feminino, deparo com a seguinte frase “Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo que mataram”, um trecho extraído do poema ILHA, de Oswaldo Montenegro. Claro que não pude deixar de fazer uma busca para conhecê-lo por inteiro:

“Ilha não é só um pedaço de terra cercado de água por tudo quanto é lado.

Ilha é qualquer coisa que se desprendeu de qualquer continente.

Por exemplo: um garoto tímido, abandonado pelos amigos no recreio, é uma ilha.

Um velho que esperou a visita dos netos no Natal e não apareceu ninguém, é uma ilha.

Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo que mataram, é uma ilha.

Até a lágrima é uma ilha, deslizando no oceano da cara.”

Sim. Me sinto ou me senti ilha várias vezes...

Quando minha família esperava de mim algo diferente do que fiz ou fui.

Quando minha roupa não estava compatível com as dos outros convidados.

Quando parceiros de trabalho desistiram de um projeto.

Quando só eu chorei no meio de uma cena cômica de um filme porque me fez lembrar de algo triste.

Quando eu dizia que tinha medo de cachorro.

Quando estou acima do peso.

Quando me chamam pra andar de bike e respondo que não sei.

Quando não sustento uma briga porque começo a chorar.

Quando sofria bullying na escola pelo meu nariz avantajado.

Quando não consigo me comunicar bem em outra idioma.

Quando meu entusiasmo é chamado de otimismo inocente.

Quando...

E de repente, entendo que a ilha é aquilo que se desprendeu do continente. É tudo na gente que não morreu, cercado por tudo que mataram. Uau!

A minha ilha não é o que eu não fui, o que eu não vesti, o que eu chorei, minhas inseguras e vergonhas. A minha ilha é o que não morreu. Ao mesmo tempo libertador e assustador. Por quê? Porque me obriga então a olhar para o que sou, para o que está vivo em mim.

Mataram a bailarina, vive a criança.

Mataram a atriz, vive a poeta.

Mataram a professora, vive a aprendiz.

Mataram a psicóloga, vive a amiga.

Mataram a bela, vive a fera.

Mataram a inocência, vive a mulher

Energizadora, Iniciadora, e que Dá Poder.

Mataram as aparências, vive o amor.

E foi assim que ressignifiquei a “ilha”:

Chamamos de solidão, o que é apenas desconhecido.

Chamamos de mistério, o que é poder pessoal.

Chamamos de pedaço de terra, o território da alma.

Chamamos de distante, o que está dentro de nós.

Lembrando José Saramago, “Quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou quando nela estiver”.

E você? Como descreveria a sua “Ilha”?

Já se desprendeu do continente?

O que está vivo em você?

Afinal, ser adulto é receber carinho de si mesmo. É separar-se da criança que espera alguém pra cuidar da sua “ilha”. É cuidar do que está vivo.

*Graziela Merlina - Idealizadora na @casamerlina / Conselheira no @capitalismoconscientebrasil / Fundadora da @ApoenaRH