Artigo

Spa para o cérebro

por Manoela Soares de Araújo*

Seis e meia da manhã. O celular desperta. Está na hora de acordar. Os olhos ainda reclamam da claridade e o corpo está adormecido, precisando espreguiçar. Você ignora o comando e só estica um dos braços, o suficiente para alcançar o telefone ao lado da mesa de cabeceira e desligar o alarme. Antes de um bocejo, abre a agenda para conferir os compromissos do dia e, em um segundo de distração, já está checando os e-mails.


A janela do quarto continua fechada e você não sabe se chove ou faz sol. Mas já descobriu pelo instagram que uma colega de colégio noivou, o seu vizinho está na academia e a influencer de finanças fez mais uma live imperdível sobre investimentos. Antes do meio dia, assistiu ao jornal da manhã enquanto fazia café, ouviu podcast no caminho pro trabalho, respondeu oito clientes no whatsapp e deu uma olhada nos links com as notícias suspeitas enviadas no grupo da família.


No intervalo entre as reuniões do zoom, entrou no linkedin e se inscreveu em mais um webinar sobre “produtividade na pandemia”, e lembrou que precisa terminar de assistir às aulas do curso online de engajamento do seu perfil profissional nas redes sociais, comprado no início da quarentena.


Sem perceber o gatilho, você se culpa por ter abandonado pela metade os três últimos livros que são “leitura obrigatória” para se reinventar no “novo normal”, e é invadido por angústia, sensação de impotência e medo de não dar conta. Sua respiração fica pesada, os batimentos cardíacos acelerados e você se sente um nativo de alguma terra primitiva, capturado e jogado em uma metrópole confusa e barulhenta. Dá vontade de fugir.


Somos todos da mesma tribo e estamos intoxicados com tanta informação. A preocupação com excessos de tecnologia na sociedade não é de hoje, mas não há dúvidas de que a pandemia agravou o cenário e nos tornou mais dependentes do mundo digital. Por um lado, ganhamos um cardápio maior de conteúdos de qualidade, com a facilidade de interagirmos, sem sair de casa, com as pessoas mais requisitadas de todas as áreas inimagináveis. Por outro, estamos compulsivos e não sabemos filtrar as informações que nos agregam.


Nossas mentes são gulosas e não tem maturidade para buffet livre. Se não soubermos controlá-las, consumiremos o que estiver disponível à mesa, só para provar um pouquinho de cada. Colocamos em um mesmo prato caviar e junk food e não sabemos diferenciar o que é preciso ser degustado do que é dispensável. No final, não digerimos nada, nem absorvemos o que consumimos de bom.


É delicioso conversar com alguém com pluralidade de assuntos e, ainda mais, estar por dentro de todas as pautas discutidas num bate-papo. Alienação não é concebível para quem quer fazer a diferença. Mas, será que não passamos do ponto? A necessidade de saber falar sobre qualquer tema, ainda que superficialmente, diz muito sobre o nosso ego. Esquecemos que conversas são trocas e a sensação de aprender é tão gostosa quanto a de ensinar.


A vulnerabilidade e a honestidade de podermos dizer “não li esse livro”, “não conheço esse autor” ou “não estou sabendo dessa notícia” criam conexões e oportunidades de diálogos sinceros. Talvez tenhamos perdido o real propósito de nos mantermos informados. Nos submetemos a uma enxurrada de informações não para dialogarmos melhor, mas para travarmos uma batalha, onde ganha quem sabe mais, ainda que saber seja somente ter ouvido falar a respeito...


É preciso refletir: se todo excesso esconde uma falta, qual é o vazio escondido por trás do exagero de informações que consumimos diariamente?


Supervalorizamos a mente, negligenciamos nossos instintos. Esquecemos que somos, de fato, nativos selvagens pertencentes à natureza. Precisamos encontrar meios de alimentar essa alma primitiva e reeducar nosso intelecto guloso. Caso contrário, sucumbiremos à intoxicação, com cabeças pesadas e corações desnutridos.


*Manoela Soares de Araújo (@manuela_soares).
Advogada de formação, apaixonada por poesia e busca uma vida mais consciente e alinhada a valores humanizados.